sábado, 9 de abril de 2011

Contos do Reino #8- Dia de Avistar

Romanos 2:13

Porque não são os que ouvem a lei que são justos aos olhos de Deus; mas os que obedecem à lei, estes serão declarados justos.

Hebreus 11:6

Sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que Ele existe e que recompensa aqueles que o buscam.

Isaías 53:1-3

Quem acreditou naquilo que nós anunciamos? A quem o Senhor vai revelar o seu poder? Aos olhos de Deus ele era um pequeno ramo, brotando de uma raiz em terra seca. Mas para nós Ele não tinha beleza alguma; não havia nada nEle para nos atrair ou para nos agradar. Nós O desprezamos e rejeitamos: Ele era um Homem que conhecia, por experiência própria a dor e o sofrimento. Achamos que Ele não merecia nem ser olhado por nós; não demos a menor importância a Ele.

DIA DE AVISTAR

Os súditos do Reino trabalhavam duro para manter lindo o Grande Parque. Alguns eram jardineiros; outros eram guardas florestais. Alguns eram agricultores; outros eram especialistas em cuidar de animais; outros eram guias para estrangeiros. E ainda outros curavam. Não importava o quão duro trabalhavam, eles adoravam brincar. E a brincadeira de que as crianças mais gostavam era Achar-O-Rei....


"Eu vi o Rei!" exclamou Amanda, ao entrar com tudo pela porta da cabana de Misericórdia. Duas raposinhas entraram pela porta, atrás dela, brincando e uma bateu na traseira da outra, quando tiveram de parar repentinamente. "Eu vi o Rei no Dia de Avistar!" ela repetiu, orgulhosa do seu sucesso.

"Que legal!" replicou Misericórdia, que tinha acabado de trazer Homem-Que-Senta-Como-Pedra para uma cadeira, perto de uma janela onde o sol entrava. Uma vez sentado, o homem não se mexia. Ele não virava a cabeça. Ele não falava uma palavra. Misericórdia disse que talvez fosse por causa de uma terrível tragédia em sua vida.

O irmão de Herói muitas vezes subia até o colo do homem e dava uns tapinhas nas suas bochechas, mas mesmo assim ele não se mexia. De certa maneira, os dois eram semelhantes. Pequena Criança nunca falava uma palavra sequer e o homem nunca dava risadas. Muitas vezes os dois sentavam-se juntos, quietos à luz do sol.

"Dia de Avistar quer dizer que o Rei tira um tempo para brincar", Amanda disse, virando-se para explicar a Herói, que ainda estava cauteloso quanto a essa menina tão dinâmica.

"As crianças tentam achar o Rei por todo o Grande Parque, no Dia de Avistar", explicou Misericórdia ainda mais. "É um grande jogo de Caça-ao-Rei. Ele aparece com vários disfarces, e uma vez que a criança percebe que viu o Rei, ele pode ir para o campo de treinamento, onde o Rei e as crianças brincam o resto da tarde. Por que você não sai numa caçada, Herói, em busca do Rei?”

Herói balançou a cabeça que não, então Amanda saiu pulando, pela porta, sem ele. Ela ria ao correr, e o menino ficou olhando para as raposas que saíram atrás dela, bem no calcanhar, enquanto desciam a trilha em direção do Bosque Silvestre.

Não tinha jeito. Ele nunca iria "avistar" o Rei. Toda vez que alguém comentava baixinho: "olha o Rei!", Herói só via um mendigo ou lenhador ou agricultor. Nunca um rei.

Misericórdia disse que isso era porque ele não acreditava no rei. "Você precisa crer", ela sempre explicava, "para poder ver". Isso não fazia sentido para Herói. O Encantador tinha dito o oposto: "Ver é crer". Era muito bom e legal para todos os outros em Grande Parque quanto a falar sobre um rei. Mas como que Herói iria saber que não estavam só fazendo uma brincadeira com ele? Ou fazendo de conta?

E, alem do mais, ele não estava muito a fim de brincadeiras assim hoje. Misericórdia tinha dito que um amigo dela iria vir hoje de manhã para ver o seu irmão. Tinha algo de errado com Pequena Criança.

Misericórdia disse que ele já estava na idade de falar e que todas as crianças normais eram cheias de risos. Algo deve ter assustado este pequeno, algo que roubou dele suas palavras e risos.

Herói sabia que era Cidade Encantada. Seu odor podre pairava sobre os corações. Ele se lembrou dos Queimadores acendendo o ataúde no funeral de sua mãe. Ele viu mais uma vez o olhar de horror nos olhos do seu irmão. E agora o menino mais novo não dava risadas, e o menino mais velho não se interessava por brincadeiras.

Ao observar o seu irmão sentar-se silenciosamente no colo do homem imóvel, Herói pensou: Será que o amigo de Misericórdia iria também saber o que fazer por um menino cuja cicatriz na sua pele ia até seu coração?

Herói pensou ouvir alguém falando: "Rei à vista!" mas, ao invés do Rei, um camponês entrou na cabana. Ele estava usando uma camiseta e calças desbotadas. Seu cabelo enrolava-se por debaixo de um velho chapéu de fazendeiro, o qual ele pendurou na entrada ao lado da porta. Ele bateu alegremente no batente. "Onde está o meu amigo?" ele chamou.

Herói pensou que ele estivesse se referindo a Misericórdia; mas, ao invés, a senhora idosa apontou para Pequena Criança, ao lado da janela. "Aqui ele está", ela disse, "o seu amigo está aqui".

O camponês riu. "Eu pensei que meu amigo gostaria de ir comigo hoje. Poderemos ver o sol engordar as uvas. Ou poderemos ouvir as abelhas cantando no jardim. Ou poderemos apostar corrida com os patos no Lago dos Patos." Ele abriu a mão e dentro dela havia um barco feito de madeira de balsa, com pequenas velas e bonequinhos feitos de palha de milho.

O homem deu o brinquedo para a criança que o pegou com delicadeza. De repente, o camponês deu uma pirueta no ar e começou a andar com as mãos, enquanto que os pés estavam para o alto. Herói engoliu de surpresa e Misericórdia deu risadas.

O camponês foi até a porta com os seus pés balançando no ar. "Vamos, amigo, vamos ver os patos!"

Para surpresa de todos, o irmão de Herói desceu do colo do homem que não se mexia. Misericórdia deu para ele o chapéu do homem e ele seguiu essa figura de ponta-cabeça pela porta e desceu a trilha. Herói pensou ouvir o que parecia ser o começo de uma gargalhada infantil.

Herói ficou perto da cabana toda aquela manhã. De certa maneira, ele queria que o camponês o tivesse convidado a ir junto também. Ele cortou lenha para a lareira, tomando bastante cuidado para não se aproximar do fogo. Deu comida aos porcos. Ajudou Misericórdia a tomar conta do Homem-Que-Senta-Como-Pedra e varreu o chão.

À tarde, um jovem retornou carregando o irmão do Herói em seus braços, dormindo. O menino estava chupando o dedo. Nas suas bochechas e queixo havia marcas de frutas.

"Puxa, tivemos uma bela manhã", o jovem disse, após colocar Pequena Criança na cama. Herói e o homem sentaram-se à mesa, enquanto Misericórdia serviu suco gelado.

"Onde foi o camponês?" perguntou Herói.

O jovem deu um sorriso. "Foi achar o Rei. Lembra-se? Hoje é o Dia de Avistar.... Diga, você já ouviu um coral de abelhas? Hoje nós ouvimos. É impressionante! Zumbem em harmonia. Um velho abelhão estava desafinado, mas a rainha logo o silenciou".

Misericórdia deu uma risada.

"Aí a gente apostou corrida de barco. Havia cinqüenta patos, cinqüenta barcos e centenas de crianças. Os patos ganharam, mas o nosso barco veio em segundo lugar." O jovem deu uma olhada em volta e depois falou por detrás de sua mão. "Seu irmão e eu sopramos bem forte nas velas!"

Herói não sabia se acreditava nele ou não.

"Ah, sim! E a gente viu as uvas crescerem". Ele apontou para uma tigela de frutas na mesa. Herói tinha pensado que eram ameixas, mas então percebeu que eram uvas enormes já tiradas do talo. "E...a gente ficou olhando muito ¾ eu estava contando uma história. Desculpe, mas elas ainda estão boas. Prove uma".

Herói esticou o braço e pegou uma e deu uma mordida. Era deliciosa! Ele coçou a cabeça. Como a uva tinha crescido tanto?

O jovem ainda estava falando "...e você vai ficar contente ao saber que o seu irmão riu. Ele adora ver pessoas andando de ponta-cabeça". Fez uma massagem nos seus braços e ombros. "E pequena criança falou. Disse: 'Ó o ei' ".

Misericórdia estava à mesa com eles. "Muito apropriado", disse ela, "no Dia de Avistar, não acha?" Com isso ela se levantou, foi até o jovem, e plantou um beijo bem na sua testa. "Eu sabia que você poderia ajudá-lo. Obrigada, pelo seu tempo".

Herói olhou para Misericórdia. Quem era este jovem? O que tinha acontecido ao camponês?

"Não há de quê", o jovem disse. "Foi muito gostoso. Agora eu vou até o campo de treinamento. As crianças estão esperando por mim lá. Venha você também, Herói. Este dia é um dos melhores que tem".

E Herói logo percebeu que o jovem estava certo. Dia de Avistar era muito legal. O homem organizou gincanas e competições. Tinha corridas de três pernas (uma corrida em que duas pessoas ficam de lado, abraçados, com a perna de dentro de cada uma amarrada, formando assim uma perna em comum) e salto com vara, e esconde-esconde e pirâmides humanas e travessia do rio sobre pinguelas. Herói se pegou sendo absorvido no meio de todo esse clamor e regozijo. Ele descobriu que não havia lugar mais gostoso de se estar do que o lugar onde o jovem estava.

O homem ensinou todos eles a andarem de ponta-cabeça. As crianças se esforçaram para aprender. Seus cotovelos dobravam-se facilmente; suas pernas se recusavam a ficar para cima. Seus pés começavam a ir muito para a frente. O-o-o-o-pa! Caíam! Todos davam risadas.

"Está vendo! "disse o jovem a Herói. "Este exercício é ótimo para fazer crianças tristes rirem".

O jovem fez malabarismos com o Malabarista Palhaço; eles quase deixaram as laranjas caírem e se atrapalharam todo nos arremessos e quase não conseguiram catar os objetos que caíam. Todos as crianças riram, bateram palmas, e gritaram.

Todos tiveram sua vez na hora de pular corda e todos compartilharam suas bolinhas de gude e piões, etc.; e ninguém foi deixado de fora das brincadeiras, e ninguém foi escolhido por último.

As brincadeiras terminaram quando todas as crianças suadas passearam até o Lago Marmo, onde caíram na água fresca. Então molharam o jovem até ele ficar encharcado, e este fez o mesmo com eles. Herói teve de admitir que tinha sido uma tarde maravilhosa! Jogos e brincadeiras não eram tão ruins assim.

Até o jovem voltar para a cabana de Misericórdia com Herói, Pequena Criança já estava jantando. "Ó o ei!" ele gritou e veio correndo abraçar seu amigo.

Estas eram as primeiras palavras que Herói tinha ouvido seu irmão falar. Os olhos do menino mais velho de repente se encheram com lágrimas, e ele se voltou para o jovem e deu um obrigado meio engasgado.

Misericórdia serviu as uvas que eram tão grandes que dava vontade de rir só de vê-las, junto com um pouco de pão e queijo. Herói deu uma mordida na fruta e pensou que nunca tinha experimentado algo tão gostoso.

"Ó o ei", disse Pequena Criança sorrindo e já querendo brincar de esconde-esconde.

"Você realmente acha que ele viu o Rei?" disse Herói.

Misericórdia o olhou com surpresa e vagarosamente respondeu: "Sim!"

O rosto de Herói ficou contraído. Sua felicidade estava rapidamente se transformando em desapontamento. "Ué, por que o meu irmão pode ver o Rei e eu não posso?"

Misericórdia olhou para o jovem com uma pergunta nos seus olhos.

Quietamente, o jovem se encurvou e enrolou parte do cabelo de Herói no seu dedo. "Seu irmão pode ver o Rei porque ele é uma pequena criança, e crianças pequenas são os melhores nesta brincadeira. Os outros vêem o Rei porque eles crêem e a eles é dado o dom de ver. Aqui no parque, fé vem antes de ver".

"Mas será que eu vou ver o Rei um dia?" perguntou Herói.

"Você crê no Rei?" perguntou o jovem.

"Eu não sei. Eu acho que talvez creia, mas se eu só pudesse ver..."

"Bem, talvez um dia então verá", disse o jovem. Ele pegou uma outra uva gigante da tigela e a colocou na mão do menino.

Aquela noite, depois que todos na cabana do Cuidador tinham se aquietado, o Cuidador levou Herói para a Vila dos Rejeitados. Ao andarem, o som suave das ferramentas nos bolsos do homem trouxe conforto em meio à escuridão.

Cuidador explicou que, no "Dia de Avistar", muitos rejeitados ficam incapacitados de entrar na brincadeira de caçar o Rei. Alguns estão feridos. Outros cegos, e ainda outros estão se recuperando das suas doenças. Ao invés, o Rei vem até eles, conta histórias e canta. Ele traz tudo que é de bom, mesclado com o brilhar da lua e a noite fresca, até o nível deles, até que os corações dos desabilitados são confortados, porque o Rei está no meio deles.

Infelizmente, Herói estava muito afastado para ver o Rei aquela noite. Havia muitas pessoas tumultuadas ao redor dele. A noite estava cheia de sombras. Mas ele ouviu a voz de um homem se levantar no ar da noite refrescante. E logo, então, todas as pessoas estavam cantando juntas. Assim que aquela música se acabava, uma outra começava.

O menino se sentiu estranhamente em paz e pensou que aquela queimadura feia no seu rosto talvez não fosse tão importante assim.

Alguém começou a andar no meio das pessoas. Herói podia ver uma forma se aproximando dele, parando e conversando com cada uma daquelas pessoas sofridas. Ele tinha a esperança de que seria o Rei. Herói forçou os olhos para ver o que vinha na noite. Era...era ¾ só um mendigo! O homem estava usando um manto marrom com capuz.

"Herói?" o mendigo perguntou. "Herói? Você não me conhece?

Herói queria dizer: "Você não é nada mais do que um mendigo", mas algo na voz do homem o fez parar.

"É necessário que você me veja com os olhos do seu irmão", o mendigo disse. "Você precisa me ver como ele me vê".

O mendigo tirou o capuz e a capa. Herói tentou vê-lo com os olhos do seu irmão, que tinha avistado o Rei. E aí... ué ¾ sim, é claro, era o camponês que tinha vindo até a cabana aquela manhã e foi passear com Pequena Criança.

"Herói!" disse o camponês. "Consegue fazer isso?" Ele deu um pulo e ficou com as pernas para o alto e andou pela grama usando as mãos.

Herói não tinha gasto a tarde toda no campo de treinamento por nada. Ele colocou as suas mãos acima de sua cabeça e aí jogou o seu corpo para o chão, as suas mãos firmando os pés no alto. Ele andou desajeitadamente até ficar cara a cara com o camponês. Eles se olharam de ponta cabeça.

O camponês então retomou aquela face do jovem. Herói começou a rir. "Ah!" ele disse, justo na hora em que perdeu o equilíbrio e tombou no chão. "Você é o jovem...".

De repente, tudo fez sentido. Herói entendeu. Esse era o Rei. Esse mendigo. Esse camponês. Esse jovem atleta. Esse era o homem que fez seu irmão rir e o ajudou a falar. Essa era a pessoa que tinha derramado gozo em seu coração e o ensinou que jogos eram legais.

O Rei sentou-se na grama, ao lado de Herói. O Soberano estava caindo na gargalhada. Cuidador também. Herói podia ouvir o seu tinir. "Este é o Rei", disse o senhor idoso.

"Eu sei", disse Herói. Ele ficou de pé. Deu um pirueta, e plantou as mãos no chão. Andou desajeitadamente com os pés para o alto, balançando, envergado, se endireitando.

Aí ele olhou para os homens e disse: "Eu vejo o Rei!"

E realmente ele viu.

Então o rapaz descobriu que o jogo de Caça-Ao-Rei realmente é maravilhoso. Como todas as brincadeiras, ele deve ser feito com o coração de uma criança que crê, e está sempre pronta para ser surpreendida, porque o Rei pode usar muitos disfarces.


Obrigada e Have Fun!

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